Informalidade ainda é maior problema nas lavouras de café em MG, diz MTE


Informalidade ainda é maior problema nas lavouras de café em MG, diz MTE
Informalidade no campo é de 61%; trabalho degradante é situação comum.
Discussão surgiu com denúncia de ONG dinamarquesa de trabalho escravo.



Samantha Silva e Régis MeloDo G1 Sul de Minas





Toda história tem dois lados, mas na cafeicultura do Sul de Minas, ela se divide em vários. Em um deles está Gonçalo, Elizabeth, Ronaldo e tantos outros. Eles trabalham nas lavouras de café da região e quase não sabem o que é ter vida com direitos pagos. Somam relatos, ainda, de trabalho degradante e até análogos à escravidão. De outro há produtores rurais que convivem há séculos com a cultura da informalidade, alguns da exploração, cooperativas sem mecanismos para impedir situações ilegais e instituições governamentais que não conseguem mudar esse panorama.


O tema veio à tona na imprensa internacional após a ONG dinamarquesa Danwatch publicar um relatório denunciando situações análogas à escravidão em propriedades rurais da região que exportavam café para duas multinacionais alimentícias de alcance mundial. As fiscalizações que a ONG acompanhou aconteceram em agosto de 2015 em duas fazendas de Carmo de Minas (MG).

Instituições que representam os produtores rurais brasileiros se posicionaram contra a denúncia, afirmando que havia exagero e falta de conhecimento por parte da ONG dinamarquesa, e que a generalização prejudicaria a imagem do Brasil no mercado internacional.
Em 2015, o Brasil produziu 43,24 milhões de sacas de 60 kg de café beneficiado. Dessas, 37,1 milhões seguiram para países como EUA, Alemanha, Itália, Japão e Bélgica, mantendo o Brasil na posição de maior produtor e exportador de café no mundo.

De acordo com dados do Ministério da Agricultura, o Brasil produziu, somente em 2015, 43,24 milhões de sacas de 60 kg de café beneficiado. Dessas, 37,1 milhões seguiram para países como EUA, Alemanha, Itália, Japão e Bélgica, mantendo o Brasil na posição de maior produtor e exportador de café no mundo.

Minas Gerais figura com a maior parcela da produção do país, principalmente do café tipo arábica. A previsão da safra em 2016, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), é de 27,7 milhões de sacas. A maior parte disso está concentrada no Sul de Minas. A estimativa de produção é de quase 14 milhões de sacas, cerca de 50,5% da fatia estadual, o que coloca a região no olho do furacão.

E nesse enredo, talvez todos os lados tenham sua parcela de razão.



Sentado em sua sala no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Varginha (MG), Mário Ângelo Vitório, gerente regional da instituição, aponta para a mesa de reunião e relata: “Quantas vezes já tive produtores, famílias inteiras, sentados nessa mesa, chorando, porque todo o dinheiro do lucro da safra foi pra pagar autuações.”

O caso é para exemplificar o maior problema na cafeicultura brasileira para o ministério: a informalidade do trabalho rural. O Sul de de Minas abrange 136 cidades nas regionais do ministério. Dessas, segundo números de Vitório, 80 municípios são produtores de café. Considerando cerca de 1 mil trabalhadores por cidade (os dados são incertos pela própria falta de registros), são 80 mil somente na região e desses, 61% trabalham na informalidade. É o dobro da média que se tem na área urbana.
Informalidade é problema cultural da região, afirma
gerente do MTE (Foto: Régis Melo/G1)

“É um problema cultural da região. Nós viemos de um coronelismo de dezenas de anos, isso passa de pai pra filho, e até hoje as pessoas acham que vale a pena correr o risco de não registrar os trabalhadores. Esse é um lado, da informalidade no campo”, afirma Vitório.

O outro são os registros de trabalho degradante ou análogos à escravidão, foco da denúncia da ONG dinamarquesa. Entre os problemas comumente encontrados em algumas propriedades da região, segundo Vitório, estão condições de alojamento precárias, trabalhadores que dormem em estábulos e pocilgas; alojamentos multifamiliares (a lei exige que sejam separados mulheres de homens, ou famílias), falta de sanitários e vestiários, jornadas longas e exaustivas de trabalho, transporte de trabalhadores precário e falta de equipamentos de segurança nas lavouras.

A lista é longa, mas os casos ainda são difíceis de serem colocados em números. Até o final de 2014, o Ministério do Trabalho divulgava a chamada “Lista Suja do Trabalho Escravo”, com as empresas ou pessoas autuadas por exploração de trabalho análogo à escravidão. Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a divulgação da lista por “Ação Direta de Inconstitucionalidade” proposta pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que foi tirada do site do MTE.

Em setembro do ano passado, a ONG Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO) solicitaram, com base na Lei de Acesso à Informação, a lista, que foi disponibilizada no site da ONG. Nela, de 421 casos registrados entre os anos de 2005 e 2014, 46 empresas e produtores de Minas Gerais aparecem na lista - 10,9% do total de ocorrências no país. Dessas, sete foram no Sul de Minas, seis delas na produção agrícola.
Informalidade no campo é o dobro da média na área urbana: 61% (Foto: Reprodução EPTV)

Mas a Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG) afirma que a lista suja não é nem 10% do problema, já que muitas vezes o sindicato negocia diretamente um acordo com o produtor. Esses casos não entram nas estatísticas oficiais.

Apesar dos números apontarem as situações de trabalho degradante ou de escravidão como minoria perto da informalidade, elas ainda são bem comuns nas propriedades da região, e a falta de carteira assinada também piora suas consequências.
É um problema cultural da região. Nós viemos de um coronelismo de dezenas de anos, isso passa de pai pra filho, e até hoje as pessoas acham que vale a pena correr o risco de não registrar os trabalhadores."
Mário Ângelo Vitório, gerente regional do trabalho

Vitório cita o trabalhador, sem equipamento de segurança, que chegou a ficar cego de um olho ao ser atingido por uma vara do pé de café. Também não teve assistência médica, licença, ou aposentadoria. A informalidade é o primeiro passo para que nada certo seja feito.

O MTE afirma que não tem condições de combater eficazmente essa situação. Atualmente a regional de Varginha conta com oito fiscais para cobrir cerca de até 250 propriedades em cada uma das cidades produtoras de café. Um outro lado da história que não encontra meios de resolver o problema.

“Não temos condições de fiscalizar, a demanda é muito grande e nossa capacidade pequena. Hoje o produtor fiscalizado é ‘sorteado’”, diz Vitório. Através dos sindicatos, o ministério tenta mudar a cultura local com palestras e orientações, já que nessa história, não só o trabalhador sai prejudicado. O produtor também enfrenta as consequências de não andar na linha.

Para Vitório, é o “trabalho de formiguinha” que as circunstâncias permitem. “Está difícil a gente reduzir [a informalidade] a curto prazo, e a longo prazo vai demorar muito tempo. Se a gente conseguir reduzir 1% ao ano, vai demorar muito tempo.”



As histórias se somam na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Conceição do Rio Verde (MG), uma das cidades da região produtoras de café. Ronaldo Vicente Antônio alcançou os 75 anos após uma vida nas lavouras. Na última fazenda, conta de memória que trabalhou por 22 anos. Saiu com dores pelo corpo que não sabe qual é a causa. Saiu também com um acerto de apenas R$ 2.550 por suas duas décadas de trabalho.

“Equipamento tinha, mas não era bom. A luva que eles davam para trabalhar não era boa, a máscara não era boa. Então a gente trabalhava... o povo fala que tem que levar duas trocas de roupa e, quando tira uma, você veste a outra. Lá era uma troca só, você saía com o suor, tudo sujo, voltava no outro dia para trabalhar de novo [com a mesma roupa]. E só lavava sábado”, lembra-se.
Com 75 anos, Ronaldo soma problemas de saúde e um acerto de R$ 2.550 por duas décadas de trabalho (Foto: Samantha Silva/G1)

“Às vezes usava pesticida, eu lavava as mãos, lavava para não contaminar muito. A minha mão hoje é boba, aposto que foi isso aí que deixou assim. Ela é boba, eu não aguento segurar [nada], não dá firmeza.”

Com 53 anos, Gonçalo Pereira da Silva Filho começou a mexer com café aos 15. Conta 40 anos de trabalho nas lavouras. Na carteira, tem 10. Há alguns anos, sofreu um acidente automobilístico na estrada. Ficou doente e não dá mais conta do serviço pesado de panha de café. Sem aposentadoria ou assistência médica, coloca comida em casa fazendo “bicos” de capina nos quintais, consertando fogões de casas, e o que mais surgir.






“Cada fazenda é um ritmo. Tem umas que dão almoço, outras que já não dão. Outras que falam assim: ‘Você acabou de almoçar, esfrega a mão no café aí’. E você tem que pegar. Você não pode nem conversar, [senão falam:] o patrão está aí chamando, viu? Pega 6h, vai até às 17h. Quando vê o guarda [fiscal do trabalho] vindo, aí um dá sinal e avisa, aí fica [todo mundo] escondido na moita até o carro atravessar para vir embora. Conforme for, a gente fica até à noite.”

Elizabeth Vítor ajeitou o cabelo cuidadosamente em lenço colorido para relatar sua andança. Tem 58 anos, e com apenas 8 ia com a mãe para as lavouras de café. A mãe panhava, ela varria, depois também passou a panhar. Largou a escola na 4ª série, e com ela o futuro que não fosse do trabalho na roça.

Das lavouras, aprendeu que mulher ganha menos que homem mesmo panhando igual. “Na safra minha mãe ia, panhava muito café, eram muitas medidas, mas infelizmente a carteira assinada não teve. Ela recebia menos do que os homens, e nós ainda recebemos.
Homem ganha R$ 2 mil, mulher um salário mínimo”, conta. Também família que vai panhar café junto, só se assina a carteira do pai. Se só tem mãe, de mulher muitas vezes não se assina porque é assim que funciona.
Elizabeth Vítor abandonou a escola para panhar café e hoje tem apenas 6 meses de carteira assinada após 41 anos de trabalho (Foto: Samantha Silva/G1)

“De carteira assinada foi só uma vez [que trabalhei]. Faz mais ou menos oito anos e eu tive ela assinada durante seis meses”, afirma. Mas na vida, foram 41 anos trabalhados. “Não tenho direito nenhum, essa é a triste realidade de nós mulheres. Nós geramos vida, lucramos muito os fazendeiros, e agora na hora de aposentar não vou ter direito nenhum.”

[Assista os relatos completos dos trabalhadores nos vídeos]



Jorge Ferreira dos Santos é coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG). Ele explica que a atividade rural na cafeicultura é bem diversificada e se divide em três blocos principais: os trabalhadores assalariados, os “safristas” e os agricultores familiares. No primeiro, além das fazendas em que tudo é feito da forma legal, estão os casos em que o trabalhador até é registrado, mas não recebe todos os direitos.

“O trabalhador produz, vamos pegar uma média razoável de R$ 2,5 mil por mês durante a safra. Você vai no holerite do trabalhador, está um salário mínimo. Ele é violado em férias, 13º salário, fundo de garantia, descanso semanal que a maioria dos empregadores não pagam, horas extras que não pagam. Para o trabalhador, vem o estrago. E para o Estado, vem o prejuízo nos encargos sociais, incluindo o fundo de garantia. E isso os trabalhadores formais, não estamos nem falando dos sem carteira assinada. Quem chega e olha documentação, acha que está tudo ‘ok’”, afirma Santos.

Para Adere-MG, não há exagero em denúncias de
trabalho degradante (Foto: Samantha Silva/G1)

Ele continua a explicação. Na agricultura familiar, muitas vezes a própria família trabalha na fazenda e também soma um bom número de trabalhadores sem carteira assinada, muitas vezes, por uma questão de cultura local - além da falta do cumprimento de outros itens que a lei exige. São esses casos que engordam as estatísticas de informalidade, e segundo a Adere-MG, os mais comuns na região do Sul de Minas.

Já os safristas concentram a maioria dos casos de trabalho degradante. São os grupos que transitam de fazenda a fazenda, em curtos períodos, para a colheita. Nas lavouras, segundo Santos, o pagamento pela “panha” de café é feito através de medidas. O produtor paga de R$ 6 a R$ 12 por latão de 60 litros. Em uma boa lavoura, uma pessoa sozinha consegue geralmente tirar de seis a oito medidas por dia. Para conseguir uma boa renda, a pessoa trabalha exaustivamente o dia todo por quase os 30 do mês.

E na necessidade de tirar o máximo possível somente no período da safra - que geralmente dura de 5 a 6 meses - o trabalhador acaba concordando com as condições ilegais das propriedades. Em alguns casos, porque a carteira assinada poderia “prender” o trabalhador durante a safra a uma propriedade que não dá muito café, por exemplo. Em outros, simplesmente porque a necessidade de trabalho o faz aceitar o que o patrão exigir.
Imagens de denúncias de alojamentos e transporte precários, situações de trabalho degradante
(Foto: Adere/MG)

Ainda segundo a Adere-MG,as situações análogas à escravidão geralmente ocorrem com trabalhadores vindos de fora, principalmente da Bahia. Por não estarem vinculados à fazenda e não serem da região, se submetem a condições, em alguns casos, extremamente degradantes para ganhar o máximo com o mínimo.

Paulo Sebastião, coordenador regional do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Região Sul de Minas, traça esse outro lado da história. “O turmeiro ganha com ‘rolo’. Se ele tiver 40 empregados sem carteira assinada, [o proprietário] já vai ganhar sem pagar contador, férias, INSS, adicional nenhum. O empregador ganha uma dinheirada com o ‘turmeiro’, que consegue isso com pressão psicológica [sobre os trabalhadores],” explica.
Pra gente alcançar o nível de trabalho formal do urbano no rural, a gente precisa de, no mínimo, 28 anos."
Jorge Ferreira dos Santos, Adere-MG

Sebastião afirma que os “turmeiros” têm se “especializado” cada vez mais neste tipo de esquema, o que dificulta ainda mais combater essa situação. “Os próprios turmeiros têm uma política avançada com o empregador. Todo o custo é bancado pelo turmeiro”, explica.“O ‘turmeiro’ ganha dinheiro pelo dia trabalhado. Às vezes o ônibus é dele, ele cobra [dos trabalhadores] pelo transporte. Na medida do café, se o patrão te paga R$ 12, ele vai lá e fala para os trabalhadores que está pagando R$ 11. Imagina que cada trabalhador tira umas 400 medidas, ele roubando um real por medida em dois ônibus de gente. E o patrão ainda te dá uma compensação, uma gorjeta, por ter conseguido isso.”

Há ainda outros casos de trabalhadores aliciados de outros estados que ficam presos nas fazendas, mas são mais raros, segundo o sindicato. “Os trabalhadores de fora [do Sul de Minas] têm muita violação dos direitos humanos, e os trabalhadores locais a violação dos direitos trabalhistas e sociais”, completa Santos.

De personalidade comunicativa, Sebastião não determina pausas para falar efusivamente sobre os problemas que tenta combater. Foi pra roça trabalhar com 13 anos, e continuou a vida rural no sindicato dos trabalhadores desde 1987. Filosofa sobre a crise do capitalismo com a mesma desenvoltura em admitir o ser humano sempre querendo ganhar mais com menos.
'Eu não sei como consertar a informalidade', Paulo Sebastião (Foto: Samantha Silva/G1)

Mas ao pensar sobre os problemas rurais, seu olhar passeia o chão e o entusiasmo some um pouco. Para ele, o que determina a escolha do trabalhador de se submeter a situações degradantes quase soa como filosofia: a liberdade de ir e vir e escolher o que é melhor para ele - ao menos financeiramente.

O que não se mede é o futuro sem direitos quando o corpo não puder mais ir para a lavoura. “O maior desafio hoje pra nós é a questão da informalidade, que eu não sei como consertar isso”, desabafa. A sentença é finalizada pelo representante da Adere-MG. “Pra gente alcançar o nível de trabalho formal do urbano no rural, a gente precisa de, no mínimo, 28 anos.”



Após a divulgação das denúncias da ONG dinamarquesa, o Conselho Nacional do Café (CNC) divulgou uma nota repudiando o relatório. No texto, o CNC manifestava “sua indignação quanto ao conteúdo que possui cunho sensacionalista e coloca uma imagem distorcida que denigre a cafeicultura brasileira perante o mundo”.

Ainda segundo o CNC, “o setor café do Brasil é um corpo dinâmico, em constante aperfeiçoamento, que não mede esforços para alcançar padrões cada vez mais elevados de qualidade e sustentabilidade. Padrões esses que são os mais elevados da cafeicultura mundial, como a própria ONG Danwatch foi obrigada a admitir em seu relatório.”

O texto ainda lista uma série de incongruências, segundo o CNC, sobre o setor do café. A nota completa pode ser acessada no site da instituição.






O G1 falou também com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), que inclusive foi citada no relatório da Danwatch como fonte. O presidente da instituição, Vilson Luiz da Silva, afirmou que o grupo da ONG chegou “do nada” dizendo que iriam fazer uma matéria em pequenas propriedades produtoras de café. Ele indicou o que foi solicitado, mas segundo ele, a ONG dispensou a ajuda e ficou na região.

“Para minha surpresa fizeram a matéria denegrindo a imagem do Brasil. A Fetaemg não comunga com essa história. Se existiu [o trabalho análogo à escravidão citado no relatório], isso não pode ser generalizado para todas as propriedades de café. É uma minoria [esses casos]. [Quando sabemos de algum caso], a gente denuncia”, afirmou.

Silva concordou com a cultura da informalidade na trabalho rural e disse que a Fetaemg tenta uma normatização dos valores de medida de café para tentar minimizar essa situação. “Nós temos discutido muito com a Faemg [Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais], que representa o médio e grande produtor, se a gente tivesse um jeito de fazer uma normatização das medidas. A Faemg concorda, mas o produtor [nem sempre], ele é dono e nós vivemos num país democrático. Nós não temos domínio sobre ele”, finalizou.



Há que se dizer, no entanto, que não são todas as fazendas que optam pela informalidade ou pela não disponibilidade de condições ideais para os trabalhadores. Um exemplo positivo, neste sentido e reconhecido por instituições ligadas ao café, é um grupo especializado na produção de café para exportação, sediado em Alfenas (MG).

O conjunto formado por três fazendas somam mais de 5 mil hectares no Sul de Minas. Elas estão em Alfenas, Machado e Conceição do Rio Verde. Desta área, cerca de 3,5 mil hectares são de plantações de café e 1,5 mil compõem uma área de preservação ambiental permanente.
Fazenda Ipanema soma 3,5 mil hectares de plantações de café (Foto: Igor Vilela Rotundo / Ipanema Coffees)

Juntas, as fazendas empregam 760 funcionários durante todo o ano, além dos temporários que são contratados somente para a época da safra. Segundo Washington Rodrigues, CEO da Ipanema Coffees, a empresa optou por não trabalhar com safristas porque a lei determina que todos devem ser contratados pelo mesmo período, o que não se adequava às necessidades de uma produção grande, com demandas diferentes em cada região.

“Isto foi uma coisa que a gente retirou há mais tempo. Definimos que nós vamos trabalhar com pessoas sem prazo determinado. Saem um pouco mais caro, os encargos de demissão e de rescisão, porque no caso dos safristas, eles seriam um pouquinho menores, mas é mais fácil de administrar, para nós, o montante de gente que entra”, explica Rodrigues.
Para Washington Rodrigues, mecanização das
lavouras é opção para sobrevivência
(Foto: Igor Vilela Rotundo / Ipanema Coffees)

Entretanto, mesmo utilizando um esquema diferenciado, o empresário diz que está cada vez mais difícil conseguir trabalhadores suficientes no campo. Segundo ele, cada vez mais os jovens procuram por empregos na cidade, o que tem provocado um êxodo rural contínuo e um envelhecimentos da mão de obra.

“É um desafio que a gente já vem percebendo há mais de 20 anos. Acontece especialmente no que seria uma faixa de trabalho de 18 a 30 anos. Então nesta região, você não tem uma alta taxa de desemprego, não é a mecanização que trouxe o desemprego. Na verdade, a mecanização foi a única solução que sobrou em função do desaparecimento da mão de obra”, diz, já apontando uma das saídas encontradas.

Segundo ele, a contratação de temporários caiu aproximadamente 90% na empresa. Em vez de 3 mil por safra, agora 300 pessoas, em média, são contratadas em cada fazenda. Mesmo assim, talvez motivada pelas más condições, a mão de obra continua diminuindo cada vez mais. “Você vê o envelhecimento dos colhedores, esse desafio não acabou, porque não tem gente entrando para a colheita. Isso de qualquer cultura, não só do café”, conclui Rodrigues.



“A principal saída é o cumprimento da legislação”, afirma Santos, admitindo que o Brasil já tem leis trabalhistas bem formuladas. O que falta é a adesão. “Vamos pegar como exemplo a minha cidade [Carmo de Minas]. Os produtores vêm reclamar que a gente pega muito pesado, que a gente trata eles que nem bandido. Mas se a gente não trata eles com um pouco do rigor da lei, eles tratam o trabalhador como cachorro, como escravo. Pra nós não há interesse que o empregador pague R$ 500 mil de multa, eu acho burrice. Mas nós também não temos interesse que eles tirem R$ 0,01 do trabalhador.”

Além dos acordos firmados com as propriedades para se adequam à lei após denúncias, Santos conta que a Adere-MG tentou negociar com as cooperativas para que elas só comprassem o café vindo de propriedades sem histórico de trabalho ilegal, e para isso, os sindicatos dos trabalhadores fariam uma parceria “validando” as que não tivessem casos assim. A proposta não foi aceita.
Após acidente automobilístico, Gonçalo não consegue voltar para a lavoura. Sem carteira assinada, também não tem assistência ou aposentadoria (Foto: Samantha Silva/G1)

O fortalecimento do Ministério do Trabalho também foi apontado como uma necessidade urgente. Os sindicatos acusam o governo federal de injetar massivamente dinheiro para incentivo na agricultura, e muito pouco no órgão responsável por acabar com os casos inaceitáveis de ilegalidade no trabalho.

Ao entrar em contato com o CNC, o G1 foi indicado a falar com a P&A International Marketing, empresa que trabalha em parceria com as instituições do setor e entidades governamentais para coordenar um programa internacional de sustentabilidade na produção de café.

A par da denúncia da ONG, o diretor da empresa, Carlos Brando, tomou uma posição mais cautelosa em relação ao relatório e comparou os casos de trabalho análogo à escravidão à gravidade dos registros de homicídio em um país.
A gente diz que a sustentabilidade tem três pernas: econômica, social e ambiental. As três tem que estar equilibradas. O conceito é: produzir hoje sem comprometer a possibilidade das gerações futuras."
Carlos Brando, P&A Marketing International

“Houve a exposição de um fato que é estatisticamente irrelevante, que talvez não tenha se dado a real proporção e o impacto disso no mercado, então você pode caracterizar isso como um exagero. Por outro lado, trabalho escravo é ilegal. Ter um, ter 100 ou ter mil é a mesma coisa. O exagero disso é quando você fala: pode matar? Não pode. Ter um assassinato, ou 5 ou 100, é igualmente ruim. Não é pra ter nenhum. Então nós não podemos nos defender dizendo: é só pouco. Não, é só pouco e pouco que nós temos que combater e acabar. Simplesmente dizer é pouco e ignoramos, não é o caminho.”

Segundo Brando, o programa, chamado atualmente de Plataforma Global do Café, começou em 2012 por uma preocupação dos grandes torrefadores internacionais, como a Nestlé, a JDE, a alemã Tchibo (sócio da Ipanema em Alfenas), que estão no Brasil, e também dos governos da Holanda, Suíça e Alemanha por uma pressão dos clientes deles em comprar mais café sustentável.

“A gente diz que a sustentabilidade tem três pernas: econômica, social e ambiental. As três tem que estar equilibradas. O conceito é: produzir hoje sem comprometer a possibilidade das gerações futuras”, afirma Brando. Fazem parte do programa as certificações que os produtores de café podem adquirir ao se adequarem aos padrões internacionais.

As mais presentes no país são a 4C, UTZ, Rain Forest Alliance e FairTrace, e segundo Brando, todas avaliam questões trabalhistas. “Respeito a leis trabalhistas é básico. Não cabe um selo disso, porque não existe um selo de que é legal, a obrigação é ser legal. Seria redundante. Você tem que seguir rigorosamente as leis trabalhistas do país”, completa sobre a sugestão de validar fazendas que não tenham casos de trabalho ilegal.
Programa de café sustentável surgiu como uma necessidade de atender o mercado internacional
(Foto: Igor Vilela Rotundo / Ipanema Coffees)

“As cooperativas não podem funcionar como um sistema paralelo de fiscalização. Isso é obrigação do governo, a gente paga imposto pra isso. Lógico que você que vai comprar um tomate, você pode exigir isso. Mas claro, se você compra do Ceasa, já fica mais difícil”, explica Brando, comparando o fato de que o café brasileiro geralmente é exportado da mistura de vários produtores.

Brando afirma que por uma necessidade do mercado internacional, o governo e as instituições do setor estão tomando as medidas para adequar a produção do café de forma sustentável e o foco é justamente o pequeno produtor.

“É o menos assistido. Porque o grande tem o seu agrônomo, mais acesso a cooperativa, etc. O pequeno é mais difícil e ele tem uma tendência a ver a sustentabilidade como custo. Então precisa mostrar pra ele que não é custo, é benefício.”

Entre eles, está a valorização do café no mercado internacional. O raciocínio é que café legal permite mais retorno financeiro. “Dentro desse processo, o produtor ganha mais dinheiro. Se ele ganha mais dinheiro, ele protege o meio ambiente, manda criança pra escola, tem acesso à saúde, etc. Não adianta falar para o produtor: ‘não derruba árvore’, se ele não tem dinheiro pra comprar gás pra fazer fogo pra comer. Você tem que pensar no aspecto econômico.”



“Sempre trabalhei na roça, mas nunca tive licença maternidade”, conta Elizabeth Vítor ao pensar na família. “Fiz cesárea e continuava panhando café. [Parei] durante uns três meses [após o parto], porque era cesárea. Mas com quatro meses já estava na lavoura. Sem receber nada.”

Hoje Elizabeth tem sete filhos. Foram todos pra escola e estudam para não passar o que ela passou, e a mãe, e o pai e os irmãos. O marido também não trabalha nas lavouras.

“Ele já trabalha na área urbana, então é diferente de mim. Mas como a cultura nossa é rural, então para nós, vivemos com essa cultura e aí seguimos nela. Mas esperando que possa mudar”, finaliza.
'Esperando que possa mudar [a cultura rural]', Elizabeth Vítor (Foto: Samantha Silva/G1)

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